A detecção precoce do Alzheimer deu um salto histórico em 2025. Em maio, a FDA, agência reguladora dos Estados Unidos, aprovou o Lumipulse, o primeiro exame de sangue capaz de identificar a doença com base em biomarcadores cerebrais.
O teste é voltado a pessoas com mais de 55 anos e sintomas iniciais de comprometimento cognitivo. Diferente de métodos invasivos, como a punção lombar ou a tomografia PET, o exame utiliza apenas uma amostra de sangue, reduzindo custos e simplificando o processo de diagnóstico.
De acordo com o neurologista Andrew Budson, da Harvard Medical School, a aprovação representa um marco regulatório e clínico que pode transformar o padrão de atendimento. Ele explica que, com a inclusão nos seguros de saúde, o exame deverá se tornar parte da rotina médica para identificação precoce do Alzheimer, permitindo iniciar o tratamento antes que danos cerebrais avancem.
Como funciona o teste Lumipulse
O exame detecta proteínas associadas ao Alzheimer, especialmente beta-amiloide e tau fosforilada (p-tau217), cujos desequilíbrios indicam a formação das placas cerebrais que caracterizam a doença.
Segundo Budson, o teste é altamente preciso em 80% dos casos e obtém resultados claros em mais de 90% das amostras. Apenas uma pequena parcela é considerada inconclusiva e, nesses casos, recomenda-se investigação adicional com exames de imagem ou punção lombar.
Se o resultado for positivo, o paciente é encaminhado a um neurologista para iniciar terapias direcionadas, como o uso dos medicamentos donanemab (Kisunla) e lecanemab (Leqembi), que removem as placas amiloides do cérebro e retardam o avanço da doença.
O papel da pesquisa brasileira
Enquanto o Lumipulse ganha espaço nos Estados Unidos, o Brasil também se destaca na corrida por diagnósticos acessíveis. Pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em parceria com a empresa norte-americana Quanterix e apoio do Instituto Serrapilheira, testaram um exame de sangue semelhante em pacientes atendidos no Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
O resultado impressionou. A detecção da proteína p-tau217 no plasma identificou corretamente a presença da doença em 94% a 96% dos casos, desempenho comparável aos exames invasivos e muito mais caros.
O estudo, publicado na revista Molecular Psychiatry, é o primeiro a incluir pacientes brasileiros de baixa escolaridade, um grupo geralmente excluído das grandes pesquisas internacionais.
“Testamos a ferramenta em uma população diversa e ela funcionou muito bem”, afirma o neurocientista Eduardo Zimmer, líder do ZimmerLab da UFRGS. “O exame de sangue pode democratizar o diagnóstico e reduzir desigualdades no acesso à saúde.”
Um diagnóstico mais democrático
Atualmente, o diagnóstico clínico do Alzheimer é baseado em testes cognitivos e exames de imagem. O PET-CT cerebral pode custar até R$ 10 mil, enquanto a análise do líquor exige infraestrutura hospitalar e profissionais especializados, ambos fora da cobertura do SUS.
O novo exame de sangue, em contrapartida, tem custo estimado dez vezes menor e usa tecnologia de alta sensibilidade capaz de identificar mínimas quantidades de proteína tau.
Zimmer ressalta que a novidade não substitui a avaliação médica, mas oferece uma ferramenta complementar, precisa e acessível. “É uma forma de tornar o diagnóstico mais rápido e justo, especialmente em locais onde exames sofisticados são inviáveis”, explica.
Próximas etapas da pesquisa no Brasil
A UFRGS lidera agora a Iniciativa Brasileira de Biomarcadores para Doenças Neurodegenerativas (IB-BioNeuro), que pretende ampliar os testes para três mil voluntários em dez cidades gaúchas. O investimento de cerca de R$ 20 milhões reúne instituições como o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), a Finep e o FNDCT.
A previsão é que os resultados sejam concluídos em até 24 meses. Caso a eficácia se confirme em larga escala, o exame poderá ser submetido à Anvisa, abrindo caminho para uso clínico no país.
“Queremos validar a tecnologia em nosso contexto e mostrar que o Brasil pode ser referência mundial em diagnóstico acessível para doenças neurodegenerativas”, afirma Zimmer.
Educação, saúde mental e prevenção
Além do avanço diagnóstico, um estudo paralelo coordenado por Zimmer e publicado na The Lancet Global Health reforça a importância de fatores educacionais e emocionais na saúde cerebral.
A pesquisa, com 41 mil participantes de cinco países latino-americanos, concluiu que a baixa escolaridade é o principal fator de risco para o declínio cognitivo no Brasil. “Aprender é como exercitar o cérebro. Quanto mais conexões criamos, mais protegidos estamos contra o Alzheimer”, explica o pesquisador.
Depressão, isolamento e sedentarismo também foram associados a envelhecimento cerebral precoce, o que reforça a necessidade de políticas públicas voltadas à educação e ao bem-estar.
O que pode mudar no futuro
Se os exames de sangue forem amplamente aprovados, as mudanças esperadas incluem:
- Diagnóstico precoce e de baixo custo em todo o sistema de saúde
- Monitoramento clínico mais eficiente, permitindo acompanhar a evolução da doença
- Expansão do acesso a terapias modificadoras, mesmo em regiões com menos recursos
- Maior equidade na prevenção e no tratamento das demências















