Como tantas vezes acontece, a realidade consegue ser mais absurda do que a ficção. Quando escritores criam histórias, quem as lê pensa: “isso jamais aconteceria na vida real”. Ledo engano! Tudo pode acontecer e da maneira mais surpreendente possível. Um exemplo disso é o recente roubo do Museu do Louvre, em Paris, que imediatamente ganhou associações a Arsène Lupin, o “ladrão de casaca” (ou “gentleman thief”, em inglês) mais conhecido da literatura francesa, criado por Maurice Leblanc (1864-1941).
Navegar pelo universo de uma obra consagrada é como caminhar sobre uma corda bamba: de um lado, a expectativa dos fãs por elementos familiares; do outro, a necessidade de erguer uma narrativa que tenha alma própria. Foi nessa corda bamba que a Netflix lançou “Lupin”, em 2021.
Assane Diop – interpretado na série por Omar Sy, que se inspira em Arsène Lupin – consegue um emprego na equipe de limpeza do Louvre. A missão dele é se aproximar do famoso colar da rainha, que pertenceu a Maria Antonieta. A obra é de ficção, assim como a joia.
Essa joia, na verdade, já é uma veterana quando o assunto é alimentar a imaginação da ficção. Lá no século XIX, o próprio Alexandre Dumas, que tinha acabado de publicar “Os Três Mosqueteiros”, já ficou fascinado pela história real desse colar e criou uma trama cheia de intrigas por trás do caso.
O roubo no Louvre gerou perplexidade pelo modo como foi conduzido. Parece ter ocorrido de forma quase improvisada: uma vidraça quebrada, poucos minutos de execução e a fuga apressada. Nada da complexidade esperada em crimes que envolvem um dos museus mais famosos do mundo. A ausência de tensão e o desenrolar quase cômico da operação fizeram o episódio parecer mais uma trapalhada do que uma história de suspense à la “Truque de Mestre”.
O mais intrigante, porém, não está apenas no crime em si, mas nas suas implicações simbólicas. O Louvre, guardião de séculos de arte e história, representa o ápice da herança cultural europeia. Roubar dali é um golpe simbólico contra a civilização, um atentado à memória coletiva e àquilo que a humanidade considera valioso. O episódio também evidencia falhas de segurança que desafiam a lógica. Como um local tão vigiado pôde ser invadido de maneira tão simples?
Se Leblanc estivesse entre nós, talvez sorrisse diante da ironia: o mundo moderno ainda tenta imitar seu ladrão de casaca, mas esquece que o verdadeiro golpe de Lupin nunca foi contra cofres ou joias e sim contra a mediocridade da realidade.
      
      
      




                                










