De “Trem Azul” a “Paisagem na Janela”, Lô Borges, que nos deixou no domingo (2), marcou e continua marcando momentos, viagens, amores e a vida de muitas pessoas, com melodias e arranjos que tocam a alma. As canções do multi-instrumentista fazem parte da construção da identidade cultural de Minas Gerais.
Lô Borges escreveu páginas significativas na história do movimento musical Clube da Esquina. Com sua guitarra e profundidade melódica, trazia um peso que tornava a música mineira singular. Para muitos, é visto como um dos fundadores do Clube. Relembre algumas músicas do artista.
Um Girassol da Cor de Seu Cabelo
A música de minutagem extensa “Um Girassol da Cor de Seu Cabelo” é o resultado da parceria dos irmãos Lô Borges e Márcio Borges. Lançada em 1972, no aclamado álbum “Clube da Esquina”, a canção de sonoridade experimental mescla melancolia e poesia romântica ao rock progressivo.
Enquanto Márcio escrevia a letra, Lô Borges criava a melodia e os arranjos que marcariam o movimento Clube da Esquina de forma única.
O Trem Azul
Além de gravada por Lô Borges, “O Trem Azul” recebeu diversas outras interpretações, como a da eterna Elis Regina, e versões de Samuel Rosa, Flávio Venturini, Renato Vargas, Lobão e a icônica “Blue Train”, em inglês, gravada por Tom Jobim.
O primoroso trabalho escrito por Ronaldo Bastos foi inspirado em uma viagem de trem que o compositor fez pela Europa. Já a música, feita por Lô Borges, teve uma inspiração inusitada: uma partida de futebol em que o Cruzeiro jogava. A canção foi dedicada a Tom Jobim.
“O Trem Azul” também fez parte do aclamado álbum “Clube da Esquina”.
Paisagem na Janela
As belezas de Minas Gerais encantaram Fernando Brant e Lô Borges, que traduziram aos ouvidos dos brasileiros, por meio da canção “Paisagem na Janela”, a atmosfera de uma região do estado que resguarda parte importante da história do país.
Por muito tempo, especulou-se que “Paisagem na Janela” havia sido inspirada na vista de uma janela de uma casa de esquina na cidade histórica de Ouro Preto. Tempos depois, foi amplamente divulgado que a letra teria surgido em uma viagem do compositor a Diamantina. Os dois mitos caíram por terra quando Brant revelou ao jornalista Rodrigo James que a canção foi inspirada na paisagem da janela da casa de seus pais em Belo Horizonte. Já Lô Borges partiu com esse segredo e nunca revelou de onde veio a inspiração para a melodia e harmonia do clássico.
Posteriormente ao sucesso, outros parceiros do Clube, como Beto Guedes, Flávio Venturini e Milton Nascimento, gravaram releituras do “hino”. Além deles, as cantoras Elba Ramalho, Luiza Possi, Vanessa Rangel e Vânia Rangel, e o cantor Samuel Rosa também regravaram a canção.
Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor
Lançada em 1979, no álbum “Via Láctea” de Lô Borges, e posteriormente relançada em 2005 por Milton Nascimento, “Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor” marcou uma geração. Além de tema das novelas “Alma Gêmea” e “Pega Pega”, a canção dos irmãos Borges, Lô e Márcio, ganhou notoriedade pela sensibilidade.
Lô Borges é um expoente musical e referência para artistas do segmento, não apenas no auge de sua carreira, mas até os dias atuais. Cantores contemporâneos como Paulinho Moska, Maria Gadú, Roberta Campos e Bruna Caram ousaram interpretações da canção que fala sobre a força do amor “estrada de fazer o sonho acontecer”.
Tudo o que Você Podia Ser
A primeira música do álbum “Clube da Esquina” também foi composta por Lô Borges, juntamente com o irmão Márcio Borges. Feita em meio ao regime militar que marcou a história do Brasil, o sucesso que começa com a frase singela “Com sol e chuva, você sonhava” foi a maneira metafórica que encontraram para abordar o tema sem serem censurados.
A canção fala sobre a perda de sonhos e ideais provocada pela repressão militar, mas traz, ao mesmo tempo, uma mensagem de resistência ao lembrar que pensar e conservar a esperança já representam um gesto de superação diante do nada.
Clube da Esquina 2
O hino mineiro que o Brasil abraçou, “Clube da Esquina 2”, é fruto da parceria entre Milton Nascimento e Lô Borges. De sonoridade que funde elementos da música popular mineira, do pop barroco, do erudito, da bossa e do rock, a canção se tornou única quando unida à letra que sintetiza o movimento vanguardista Clube da Esquina.
“E lá se vai mais um dia” e junto dele a saudade do genial Lô Borges.
Nuvem Cigana
Em uma ambiência mais densa, “Nuvem Cigana”, que no primeiro momento foi gravada por Milton Nascimento (1972, no álbum “Clube da Esquina”), é de Lô Borges e Ronaldo Bastos. A música faz alusão a uma Minas Gerais mais profunda, lembrando estradas empoeiradas, com movimento e ideias de liberdade, muito comuns de serem vistas e sentidas na Região Inconfidente e na Estrada Real.
Dez anos depois do lançamento, o próprio Lô Borges gravou a música, que inclusive nomeou o álbum que carrega canções importantes de sua carreira, como “A Força do Vento”, de Rogério Freitas.
Para Lennon e McCartney
Composta pela trindade mineira Lô Borges, Márcio Borges e Fernando Brant, “Para Lennon e McCartney” é um grito de liberdade continental: “Eu sou da América do Sul, eu sei vocês não vão saber”, produzida em 1960 e gravada antes mesmo do icônico álbum “Clube da Esquina”. Milton Nascimento lançou a canção em 1970 e ela ganhou uma releitura de Elis Regina em 1984.
A música carrega o paradoxo de homenagear os Beatles ao mesmo tempo em que exalta a cultura brasileira como potente, já que no cenário internacional ela ainda não era tão valorizada. Dentro disso tudo, ainda traz um recorte regional em versos como “Mas agora eu sou cowboy, sou do ouro, eu sou vocês, sou do mundo, sou Minas Gerais”.
Trem de Doido
Mais uma canetada de Lô Borges e Márcio Borges para o “Clube da Esquina”, “Trem de Doido” traz o compositor à vontade com sua guitarra distorcida, algo considerado rebeldia à época. A canção traz embutida uma crítica ao sistema manicomial do final da década de 1970.
Historicamente, a letra faz alusão aos “trens de doido” que levavam pacientes ao tristemente famoso Hospital Colônia de Barbacena. Em leitura simbólica, reflete sobre a trajetória da vida, o desprendimento e a busca por sentido, utilizando sons que evocam aceitação, enfrentamento dos medos e descoberta do próprio rumo.
Feira Moderna
A música denuncia o racismo estrutural já na primeira frase “sua cor é o que eles olham, velhas chagas”, ao mesmo tempo em que fala sobre a morte da expressão e da individualidade percebida em uma sociedade de consumo, quando diz “feira moderna, o convite é sensual, oh telefonista, se a palavra já morreu”. Também aborda a rejeição dessa lógica e a busca interior por emancipação: “meu coração é novo, e eu nem li o jornal… independência ou morte, descanso em berço forte, a paz na terra, amém”.
Composição de Beto Guedes, Fernando Brant e Lô Borges, lançada em 1978 na voz de Beto Guedes.
Via Láctea
Uma obra-prima, um topázio de Minas. “Via Láctea”, lançada em 1979, com estrutura rítmica 12 por 8, transcende a imaginação. Lô Borges e Ronaldo Bastos se unem em uma canção que traz uma atmosfera lúdica “que navega no céu, e navega no ar, grão de areia a vagar, na espuma do mar”, fazendo menção à pequenez humana diante de tantos signos imensuráveis como o céu, o mar e a vida.
Lô Borges lançou um álbum em parceria com Zeca Baleiro em 2025
Artista até o fim. Em agosto de 2025, Lô Borges lançou o álbum “Céu de Giz – Lô Borges Convida Zeca Baleiro”. Com dez canções inéditas, o projeto traz a essência do compositor, com guitarras pesadas e letras marcantes em canções que anunciavam o final de sua carreira, como “Antes do Fim”, “Olhos Cansados”, “Tá Tudo Estranho Demais” e “Ao Sair do Avião”.
Como bom apreciador de parcerias musicais, não apenas para compor, mas também para gravar, essa não foi a única. Em 2024, Lô Borges lançou “Tobogã”, um single em parceria com Fernanda Takai. Antes disso, em 2018, participou do programa Zoombido, de Paulinho Moska, que rendeu três regravações: “Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor”, “O Trem Azul” e “Um Girassol da Cor de Seu Cabelo”. Em 2016, gravou “Samuel Rosa & Lô Borges: Ao Vivo no Cine Theatro Brasil”, que resultou em 14 registros musicais e seis audiovisuais.
Mais Lô Borges
Se você está com saudade de Lô Borges, aqui vão mais algumas canções para montar uma playlist especial:
- Vida Nova
- Sempre Viva
- Sonho Real
- Colibri
- Todo Prazer
- Carnaval de Cor
- Equatorial
- Chuva da Montanha
- Tão Bom
- A Cara do Sol
- Aos Barões
- Homem da Rua
- Vento de Maio
- Ela
- Eu Sou Como Você É
- Manuel, o Audaz
- Tempestade
















