A Novelis do Brasil teve negado pela Justiça o pedido de reintegração de posse de dois imóveis localizados no bairro Saramenha, em Ouro Preto. A sentença, assinada pela juíza Kellen Cristini de Sales e Souza no dia 21 de julho, reconheceu que o espaço, utilizado há décadas pelo Clube do Alumínio, cumpre função social e está consolidado como área de lazer e convivência da população local.
A ação foi ajuizada pela empresa em 2018. A Novelis alegou ser dona dos terrenos situados na Rua Itacolomy, nº 01, e de uma área de mais de 6.900 metros quadrados, ambos registrados em seu nome. De acordo com a empresa, os imóveis foram cedidos ao clube por contrato de comodato firmado em 2006, com vigência de cinco anos e prorrogação posterior. Ainda segundo a autora, o clube passou a usar os espaços para fins diferentes dos previstos em contrato, como aluguel e reformas não autorizadas, o que motivou a tentativa de retomada da posse.
Na decisão, a Justiça considerou improcedentes todos os pedidos da empresa, inclusive o de indenização por perdas e danos. A juíza destacou que, embora a Novelis possua o registro formal da propriedade, os imóveis em questão vêm sendo utilizados pela comunidade há mais de 40 anos, com anuência da própria empresa, e que esse uso atende à função social da propriedade prevista na Constituição.
“O direito de propriedade, conforme preceitua o art. 5º, XXIII, da Constituição Federal, não é absoluto, devendo atender à sua função social”, escreveu a magistrada.
O Clube do Alumínio alegou em sua defesa que já ocupava os terrenos antes mesmo da formalização do contrato e que a relação com a empresa sempre foi de interesse comum. Também sustentou que o espaço é utilizado por moradores do bairro e de outras regiões da cidade para práticas esportivas e eventos sociais. A entidade ainda argumentou que a posse era legítima e pacífica desde os anos 1970, o que também caracterizaria usucapião.
Durante o processo, diversas testemunhas ligadas à Novelis e ao clube foram ouvidas. Elas confirmaram que a utilização do imóvel para fins recreativos e comunitários era de conhecimento da empresa e que, ao longo dos anos, houve tentativas de negociação para manter o uso do espaço.
Além disso, o Município de Ouro Preto chegou a se manifestar no processo afirmando que parte da área, especialmente as quadras esportivas, é considerada de uso comum do povo. O Ministério Público também participou do caso e opinou contra a reintegração.
A juíza observou que os imóveis, apesar de privados, passaram por um processo de afetação social, ou seja, se tornaram bens voltados ao interesse coletivo.
“A posse exercida pelo réu, embora originada de um ato de permissão, transformou-se ao longo do tempo, deixando de ser meramente precária para se tornar instrumento de concretização da função social do espaço”, escreveu na decisão.
Outro ponto levado em conta foi o fato de o contrato de comodato firmado entre as partes prever o uso das quadras em parceria com escolas municipais, reforçando o caráter público da utilização.
“A posse exercida pelo réu, embora originada de um ato de permissão, transformou-se ao longo do tempo, deixando de ser uma posse meramente precária para se tornar instrumento de concretização da função social do espaço”, afirmou a juíza.
Com base nisso, o pedido da Novelis foi julgado improcedente e a empresa foi condenada a pagar as custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% do valor atualizado da causa. A decisão se alinha a entendimentos recentes do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que reforçam a prevalência do interesse coletivo em disputas de imóveis com longa ocupação comunitária.
A sentença ainda cita que o imóvel está envolvido em outra ação civil pública que trata de danos urbanísticos e ambientais causados por parcelamentos promovidos pela própria empresa na região. Isso, segundo o processo, reforça a falta de cumprimento da função social da propriedade por parte da Novelis, que, ao tentar retomar o imóvel, contraria o interesse público local.
Com a decisão, o Clube do Alumínio permanece no imóvel, mantendo as atividades comunitárias no espaço que, segundo o município, se tornou um importante ponto de lazer para a população de Ouro Preto.